"Os leitores do meu Blog que me desculpem, mas o tema do meu texto é pesado e indigesto. Contudo não posso me furtar de falar sobre a morte justamente às vésperas de Finados. Portanto tirem as criancinhas e os mais sensíveis da frente do computador, pois o manto sombrio da derradeira jornada cairá sobre todos."
O espírito de Edgar Allan Poe, o escritor maldito de estórias extraordinárias, está baixando em mim. Apesar de eu não gostar muito dele. Já que eu não gosto de ficção, e muito menos de ficção sobrenatural. Além do mais ele próprio se confessava um viciado em ópio. Portanto seus textos, apesar de terem uma excelente fluência e um vocabulário admirável, pecam pelo exagero das estórias. Mas ele é um escritor consagrado e muito lembrado mesmo depois de morto, e sendo assim, merece todo nosso respeito.
Os cemitérios me causam espanto. Não pelas almas que supostamente lá habitam, mas sim pela maneira com que são cultuados e materializados. Não aceito transferir para um monumento de pedra e um amontoado de pó e ossos sentimentos que deveriam estar presentes dentro de nós para sempre. A lembrança de pessoas queridas que se foram está incorporada em nossa mente pelos anos de convívio, e deve se manter viva e duradoura valendo mais do que um santuário feito de tijolos e cimento.
Os cemitérios são uma cultura da nossa sociedade. Sendo assim, existe toda uma concepção desenvolvida através de anos que não pode ser mudada de uma hora para outra. Então é preciso respeitar esta instituição. Nas proximidades desta data, todas as famílias se lembram que tem aquele compromisso nos cemitérios. Então começam a arrumar o que estragou durante o ano. Se não houvesse o feriado de Finados, talvez a maioria das pessoas esquesessem de vez os seus mortos. Acho que os cemitérios são entidades em processo de extinção. Tanto pelo espaço que ocupam, como pela questão da higiene, e principalmente pela problemática do saneamento ambiental.
Na última vez que estive num cemitério por esses dias, já que atuo também na profissão de Chaveiro, fui chamado para abrir uma porta de uma casinha mortuária que ficava bem no alto da elevada. O cemitério se localizava na encosta de uma montanha e os túmulos se distribuiam em diversos patamares como degraus de escada subindo ao céu. Lá do alto onde eu estava, podia visualizar, ao longe, um vale verdejante que seguia seu caminho tortuoso até desaparecer nos confins do firmamento. Fiquei ali um momento, pensando. Era realmente um belo lugar para última morada. Olhei para todos aqueles túmulos distribuidos morro abaixo. De todos os tipos, de todos os tamanhos, uns mais ricos, outros mais pobres, muitos abandonados, com as cruzes já tortas, vergadas pelo tempo. Abandonados, como abandonados foram seus donos. Esquecidos por seus parente, em meio a loucura e o "stress" do dia a dia. Era comovente ver um tumulozinho de um recém nascido num espaço mínimo, demarcado no chão com tijolos fincados e uma cruz de madeira muito singela. Um triste destino de um ser que mal veio ao mundo e já partiu deixando em seus pais e parentes as marcas de sua passagem fugaz, que com certeza, jamais serão esquecidas. Quem sabe essa tenha sido sua missão na Terra?
A face da morte é chocante. Já me deparei com ela algumas vezes. Certa vez fui chamado para abrir uma casa num bairro da cidade. Havia suspeita do sumiço de um rapaz que chamarei de "A", que por sinal foi meu colega de ensino fundamental. Naquela noite o cunhado de "A" veio acompanhado de dois brigadianos, contou-me sobre o sumiço que já durava uma semana e pediu que fossemos até a casa dele para arrombá-la. A família nunca dava muito importância aos sumiços de "A", já que ele era viciado em cocaína e era comum ele cometer certas loucuras. Chegando lá, notamos as luzes acesas dentro da casa, mas esta estava trancada por dentro. Achei melhor abrir a porta dos fundos, que dava na cozinha, pois esta só tinha uma tranca. Ao abrí-la, foram confirmadas nossas suspeitas, "A" estava caído defronte à porta, com o corpo de barriga para cima. Um cheiro fétido no ar dava a certeza de que ele havia morrido já a uns três ou quatro dias atrás. O rosto pálido com manchas de hematomas e feridas já em estado de putrefação. Nas paredes da cozinha podiam-se ver manchas de sangue espalhadas por todos os lados, mostrando a luta de "A" para tentar alcançar a porta de saída na vã tentativa de buscar ajuda. Já dentro da casa, pudemos visualizar todo drama ocorrido com "A". Ele esta no mezanino onde ficava o quarto de dormir. Tudo estava revirado. O sangue começava na escada, de onde provavelmente "A" tenha desabado, e onde certamente tenha se ferido gravemente, seguindo para a cozinha, cambaleante, já perdendo muito sangue e vindo a morrer defronte a porta da cozinha, sem conseguir abrí-la. No seu quarto, vários papelotes de cocaína consumidos...
E assim é a vida. Uns morrem, outros nascem . Uns vivem , outros sobrevivem. Uns vão aos cemitérios, e outros trazem os cemitérios dentro de si.
Poema do Dia:
Quando Ela Chega
Minhas células rebeldes se embriagam
No tênue azul álcool do Abscinto.
Enquanto na noite escura, olhos vagam,
No aguardo, paciente, do juízo ficar extinto.
A escassa luz que me iluminava, já se apagou.
Outrora fora como um sol em minha vida.
A esperança de dias melhores naufragou,
Na anorexia diante de um prato de comida.
Em minha mente, um pensamento rotundo.
Pontos de luz de admirável persistência
Mergulhados numa superfície negra, ao fundo
Surgem e desaparecem, sem ter consistência.
E eu afundo nesta atmosfera
Como um zumbi mal enterrado,
Curtindo as idéias que a loucura gera.
Buscando razões por haver sido gerado.
A resposta vem num arroto flatulento,
Que sai do estômago acidificado,
E passa queimando pelo esôfago, em ritmo lento
Até sair pela boca, deixando um hálito modificado.
Inevitavelmente, ela vem chegando.
Eu sinto no eriçar dos pêlos da minha pele,
Um calafrio gélido que vai se propagando
No momento final, até que meu destino sele.
Eu quero a morte ao meu lado.
E que ela venha de forma lenta e indolor
Como a paz com o amor, de rosto colado,
Num feliz desfecho, num dia incolor.
Richard 2010
domingo, 31 de outubro de 2010
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Certa feita, passeando pela cidade com minha tia,passamos em frente ao cemitério. Ela agarrou meu braço com sua mão gelada e disse :"nós deveríamos viver para sempre".Respondi-lhe que na verdade enquanto estivéssemos na memória das pessoas, não seríamos esquecidos.Tbem vivemos através de nossos filhos, netos...No cemitério depositamos apenas matéria em decomposição prato feito para vermes e bactérias.Margaret
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