Hoje resolvi exercitar o meu lado contista. Raramente escrevo contos. Somente quando me surge uma idéia original. Espero que apreciem...
O Travesti da Rua Sete
Capítulo I
O Beijo
Ernesto Ruiz era o tipo de sujeito pacato e ordeiro. Sempre disposto a ajudar seus amigos e parentes. Bem casado, pai de duas filhas: Amanda, 25 anos; e Samantha, 28 anos, ambas já encaminhadas na vida. Sua esposa já beirava os 50 anos, mas era uma mulher bem conservada, que não aparentava a idade que tinha. Ernesto era funcionário público de muitos serviços prestados ao governo. Chefe de sua seção, tinha, por isso mesmo, algumas regalias, entre elas a possibilidade de dar uma escapada durante o expediente. Nada comprometedor: um passeio pelo centro, um cafezinho no bar da esquina, ver as novidades das bancas de revistas, tudo dentro das possibilidades que o emprego lhe proporcionava.
Naquela tarde comprou o jornal e foi para o bar. Pediu um café preto sem açúcar, segundo Ernesto - Doce chegava a vida, pena que era tão curta. A garçonete saía dando gargalhadas. Isto satisfazia Ernesto que não gostava de "carranca", preferia fazer todo mundo sorrir e se divertir com suas brincadeiras, pois assim - Se vivia mais - Afirmava ele.
Abriu o jornal e foi direto à parte dos classificados, mais especificamente à seção de acompanhantes. Percorreu, maquinalmente, com o dedo as colunas de anúncios, como alguém que já fizera muitas vezes aquilo. Lia cada texto com atenção cirúrgica. Pausava demoradamente nos que lhe chamavam mais a atenção. Um dizia:
"Isabelle, um furacão de loira, 25 anos, 1,72 altura, 61 quilos, 100% liberal. Oral sem camisinha até o final. Venha me conhecer, com local. Fone:..."
Outro dizia:
"Scheila, Pérola Negra, passista de escola de samba, 21 anos, 1,69 altura, 54 quilos. Venha sentir o rebolado que só uma mulata tem. Atendo hotéis, motéis e a domicílio. Fone:..."
Outro ainda:
"Mulher casada, Helena, 35 anos, corpo em forma, quadril grande, louca para trair o marido. Sigilo absoluto, com local aquecido no centro. Fone:..."
Ernesto obeservou que havia muitos anúncios de transsexuais. Continuou lendo:
"Transex Júlia, 23 anos, 1,75 altura, 65 quilos. Siliconada, ativa e passiva. Venha conhecer este vulcão na cama. Prazer garantido com algo mais. Ap. privê no centro. Fone:..."
De repente seu olhar se fixou no infinito e sua mente viajou anos atrás, buscando lembranças do passado. Lembrou do primeiro travesti que conheceu num bairro da cidade. Tinha, então, 19 anos. Era um garotão com seu primeiro carro, ainda inexperiente nas coisas da vida. Foi quando inesperadamente viu aquela garota, de minissaia, blusa folgada acima do umbigo, cabelo curto, mas volumoso, e lábios carnudos pintados num vermelho exagerado. Parou num rompante e abriu a porta do lado do caroneiro. A garota escorou o braço na porta e inclinou o corpo para falar com o motorista:
- Está a fim de fazer um programinha? - Perguntou ela com um sorriso malicioso.
Ernesto automaticamente enfiou a mão por debaixo da blusa da moça. Sentiu que ela usava um sutiã com prótese de silicone. Havia confirmado suas suspeitas: "Ela era um travesti!".
Ele não teve coragem de desistir, o desejo falava mais alto.
- Quanto custa? - Perguntou ele.
- Trinta.
- Onde vai ser?
- Eu conheço um lugar aqui perto - Disse ela.
- Vamos lá, então. Pode entrar no carro.
Rodaram algumas quadras, até que ela indicou um estacionamento sobre a calçada, defronte a um prédio, provavelmente uma fábrica abandonada. Ela desabotoou a calça de Ernesto, iniciando as primeiras carícias em seu sexo. Ernesto não ficou com tesão. Estava nervoso. Talvez o local o intimidara. E se alguém passasse por ali. Se aparecesse algum bandido. Estaria completamente frito. Sentiu-se desconfortável. Ergueu delicadamente a moça. Agora podia ver-lhe a face mais de perto. Tinha feições joviais, talvez uns 19 ou 20 anos. A pintura do rosto era carregada, memo assim ela era bonita. Ao tocar no cabelo dela, confirmou tratar-se de uma peruca. Sentiu-se mal, não estava excitado. Decidiu tomar uma atitude radical. Quem sabe um beijo naqueles lábios carnudos, despertar-lhe-ia o desejo? Fechou os olhos e sua boca foi de encontro à dela. A língua da garota invadiu o interior de sua boca. A saliva dela tinha gosto de nicotina. Ernesto sentiu nojo. Aquele beijo lhe parecia desconfortável, inaceitável, interminável. Interrompeu, de repente, o beijo e exclamou:
- Não vai dar. Eu te pago o programa, mas vamos deixar assim. Eu te peço desculpas, o problema não é contigo, mas sim comigo.
Ela disse que por ela estava tudo bem e pediu que a deixasse no mesmo local em que havia embarcado. Ao se despedir ela disse:
- Vê se deixa esse preconceito de lado, viu?
Ernesto acenou com a mão em despedida, sentindo alívio na alma.
- Sr. Ernesto,está tudo bem?
Ernesto voltava de seu mergulho no passado. A garçonete repetiu a pergunta:
- Está tudo bem Sr. Ernesto?
- Ah! Claro que sim - Respondeu Ernesto voltando a si - Por favor me traga mais um café. Ernesto já se recompunha.
A garçonete atendeu prontamente.
Ernesto sacudia a cabeça com essa lembrança do passado, como que não acreditando que tivesse passado por isso. Ao final falou baixinho para si mesmo, como se estivesse pensando em voz alta:
- Caramba, eu já beijei um travesti!
Poesia do dia:
Roleta Russa
Somos a bala da vez,
Na roleta russa da vida.
Basta um clic talvez,
Para a dança, a morte convida.
Gira tudo, tudo gira
Ao nosso, estranho, redor.
Vivemos a cirandar nossa ira,
Mas o tema sabemos de cor.
Na roda da vida giramos,
E acabamos sempre no mesmo lugar.
Teimosa oração em domingo de Ramos.
Esperando o Salvador, que nunca vai chegar.
Deixemos o tambor rodar
Pela última vez, enfim
Seremos crianças, no céu, a acordar.
Tornar-nos-emos Arcanjos, no fim.
Gira tudo, tudo gira
Ao nosso, inusitado, redor.
Vivemos a cirandar nossa ira.
Mas nosso destino, sabemos de cor...
Richard
sábado, 24 de julho de 2010
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